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Profissionais videntes: a calibração como ferramenta de previsão do futuro

Nos últimos anos a calibração metrológica (ferramenta antiquíssima na gestão do mundo industrial) chegou como uma avalanche no cenário dos hospitais brasileiros. Uma série de erros e acertos aconteceram neste processo, muitas das conquistas sendo atingidas após o tateamento de tentativas e erros.

Confusões vocabulares e de tradução (aaaah! A maldita palavra “calibração” que, segundo o Vocabulário Internacional de Metrologia – VIM –  nada tem a ver com o inglês “calibration” usado nos manuais dos fabricantes, esse passando a ser um falso cognato), dificuldades de se equalizar grandezas ao sistema internacional (o que afinal significa “um batimento por minuto”?), importantes questões metodológicas (como calibrarmos um eletrocardiograma impresso? Com um paquímetro? Qual o padrão internacional para pressão arterial não-invasiva?). Neste meio caminhamos.

Este texto tem como objetivo contribuir para a maturidade do debate a fim de que busquemos consensos internacionais como nossos colegas atingiram nas áreas industriais. Sua leitura será especialmente sensível para os engenheiros clínicos que ainda se perguntam: mas por que raios devo calibrar meu parque?

Uma das primeiras respostas poderia ser apenas: se você busca a Acreditação do hospital, calibre o seu acervo: é o meio mais simples e barato de garantir que você fez a sua parte. Mas ao levarmos à cabo uma grande operação apenas por receio de punições, deixamos de enxergar todo seu potencial valioso.

Afinal de contas: o que leva um auditoria investigar o seu parque?

De maneira bem simples ele almeja que você se valha de todas as ferramentas ao seu alcance para garantir que os pacientes recebam os melhores cuidados em seu hospital.

Mas seria essa a única forma?

A resposta é não.

Cuidado: independente do que escreverei agora, na hora de uma Acreditação um comportamento conservador é sempre bem-vindo. Proponho apenas a ampliação de nosso horizonte.

A primeira coisa a termos em mente: calibração é uma ferramenta que pertence muito mais ao reino da matemática do que ao da engenharia. A nobreza do processo não está nos caros aparelhos necessários para coleta de dados e sim nas geniais contas que se fazem depois disto. São essas contas que nos darão bolas de cristal! Sendo uma ferramenta matemática, a calibração nada tem a nos dizer sobre parâmetros adimensionais dos aparelhos analisados. Sabe aquela ferramenta de software que melhora a oximetria em caso de artefatos de movimento? Ou a conexão RJ45 que interliga seus equipamentos à rede do hospital? Ou os sistemas de segurança para pressão arterial não-invasiva que liberam o braço do paciente caso o programa principal trave por mais de x segundos? Pois bem: nada disso pertence ao escopo da calibração.

Para avaliar cada um desses pontos os certificados de conformidade emitidos pelos próprios fabricantes (que tem o domínio completo de suas tecnologias bem como suas senhas de acesso) são ferramentas bem mais eficazes. Possuem, no entanto, uma falha de origem. Exatamente aquela que é o maior benefício da calibração – a possibilidade de prever o futuro.

Após a coleta dos dados de calibração eles são submetidos a um conjunto de procedimentos matemático-estatísticos de amplo reconhecimento na comunidade científica e regulados em território nacional por normas legais de amplo consenso. Isso confere ao certificado de calibração a propriedade de afirmar os seus resultados com grande margem de segurança.

Por exemplo: se você lê num destes papéis que seu analisador de gases, quando submetido a uma amostra de 10% de gás carbônico, apresentou um resultado de 11% com uma incerteza de +/- 1% e um fator k=2, você pode entender o seguinte

“Daqui para a frente, caso os usuários repitam essa prova por um milhão de vezes, em 954.500 delas eles encontrarão algum número entre 10 e 12%”.

Entenderam o que falei sobre ter uma bola de cristal? Não é misticismo, é matemática.

Daí um cuidado importante: se você comprou um software para emitir certificados de calibração, qual seu real domínio sobre a metodologia de cálculos utilizada? Quem conhece o seu processo: você ou a empresa que lhe vendeu o programa? Ah, e por favor: nada de “eu recebi esse Excel da multinacional XYZ e eles são muito bons no que fazem”, ok?

Ainda estamos aprendendo boa parte desses conceitos e descobrindo seu potencial, mas seguramente o estudo individual e o debate sobre o tema serão indispensáveis para ajudarmos na gestão dos hospitais brasileiros.

Espero ter provocado reflexões importantes. Mais material no meu LinkedIn.


Pedro Silva é Gestor de Serviços pela FGV-RJ e Gerente de Serviços da Sinal Vital – RJ.

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