A rastreabilidade ANVISA é uma norma que interfere diretamente na produção de artigos OPME e correlatos, entre outros produtos relacionados à área da Saúde.
Através da sua ação sobre as etapas do processo de empresas fabricantes, é possível regularizar e ainda implementar melhorias para o acompanhamento dos padrões de qualidade aplicados.
Neste post, vamos entender um pouco mais sobre o que é a rastreabilidade ANVISA, qual é o seu objetivo com relação aos negócios do âmbito hospitalar e também de que forma ela atua neste mercado. Entenda melhor essas questões, a seguir!
Rastreabilidade ANVISA: afinal, do que se trata?
A ANVISA desempenha um papel fundamental na regulamentação e controle de produtos médicos no Brasil. Desde a sua introdução em 2001, a resolução técnica da ANVISA estabeleceu diretrizes rigorosas para o registro, alterações, revalidações e cancelamento de produtos médicos.
Essas diretrizes são essenciais para garantir a qualidade, segurança e controle de produtos fabricados, importados e comercializados na área da saúde.
Em 2011, a legislação foi atualizada para incluir requisitos específicos para o agrupamento de materiais de uso em saúde, com ênfase nas etiquetas de rastreabilidade ANVISA em produtos implantáveis.
Essa atualização tinha como objetivo principal aprimorar a rastreabilidade de produtos médicos, melhorando o controle e a segurança em todo o ciclo de vida desses produtos.
Panorama geral
Atualmente, estamos testemunhando avanços tecnológicos que resultam na criação de produtos médicos cada vez mais complexos. Isso levou à necessidade de um controle mais rigoroso, visando garantir a qualidade dos implantes e a segurança dos pacientes. Nesse contexto, a rastreabilidade ANVISA desempenha um papel crucial.
Alguns hospitais já adotaram o sistema de rastreabilidade ANVISA, especialmente no que se refere a Órtese, Prótese e Materiais Especiais (OPME), em conformidade com as exigências da Agência Nacional de Saúde (ANS).
Essa iniciativa visa proporcionar maior segurança no controle e gerenciamento dos materiais utilizados em procedimentos cirúrgicos de alta complexidade.
Nesse modelo, todos os produtos OPME entram na instituição de saúde com informações detalhadas, como registro, controle de lote e validade de utilização. Esses dados são registrados em um banco de dados exclusivo que permite um acompanhamento rigoroso do material, desde o momento da fabricação até o uso no paciente.
Isso representa um avanço significativo, pois muitos desses produtos são importados, e a rastreabilidade ANVISA permite rastrear sua origem desde o fabricante.
Acompanhamento
A rastreabilidade ANVISA não se limita apenas ao registro e controle de produtos. Ela também possibilita a implementação do que é chamado de “Alarme de Tecnovigilância”.
Isso significa que, se houver qualquer problema com um produto, o hospital pode relatar a ocorrência à ANVISA, que, por sua vez, pode alertar outras instituições que possuem produtos do mesmo fabricante e modelo.
Isso permite investigar se a ocorrência é um caso isolado ou se afeta um lote inteiro, o que pode resultar em ações corretivas, como recalls. Esse sistema é crucial para garantir o sucesso dos procedimentos e, mais importante ainda, a segurança dos pacientes.
Ademais, a ANVISA tem realizado audiências públicas para debater a regulamentação da RDC 54/2013, que trata da rastreabilidade no Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM).
Essa regulamentação exige que todos os medicamentos sejam rastreados, desde a fabricação até a entrega ao paciente, e envolve todos os participantes da cadeia de saúde.
Objetivos
O principal objetivo das resoluções de rastreabilidade da ANVISA é garantir o acompanhamento detalhado do percurso de um produto médico, desde sua produção até seu destino final. Isso visa a prevenção de fraudes, falsificações e roubos de carga, que podem representar sérios riscos à saúde pública.
Para cumprir essas regulamentações, todos os envolvidos na cadeia da saúde, incluindo fabricantes, distribuidores, hospitais, laboratórios, redes de varejo e farmácias, devem estar atentos à atualização de suas ferramentas de tecnologia.
A utilização de códigos de barras bidimensionais (2D) e outros sistemas de rastreabilidade é essencial para cumprir essas normas, garantindo a segurança e a confiabilidade dos produtos médicos e medicamentos.
Quais são as boas práticas de rastreabilidade ANVISA?
A implementação da rastreabilidade ANVISA é uma parte essencial da gestão de OPMEs na área da saúde. O Manual de Boas Práticas de Gestão das OPME, em seu capítulo 6, delineia os requisitos fundamentais para o uso, controle e rastreabilidade desses materiais.
Neste contexto, é crucial entender as boas práticas estabelecidas para garantir a transparência e eficácia no processo.
6.1 Utilização
A utilização de OPME começa com o registro do paciente que receberá o material.
Esse registro deve ser incluído na Autorização de Internação Hospitalar (AIH), Boletim de Produção Ambulatorial (BPA-I) ou Autorização de Procedimento de Alta Complexidade (Apac), e deve incluir a justificativa técnica da necessidade, validada pelo profissional responsável e registrada no prontuário do paciente.
As OPME utilizadas devem ser registradas pelos profissionais de saúde envolvidos no procedimento, nos documentos de registro de consumo da sala, na descrição cirúrgica e no prontuário do paciente.
Esses registros devem conter informações detalhadas sobre a quantidade, tamanho e devem incluir a fixação das etiquetas de rastreabilidade presentes na embalagem do produto em cada um dos documentos mencionados, bem como na Danfe.
A descrição cirúrgica é de responsabilidade do profissional que realiza o procedimento e deve conter um registro minucioso do ato cirúrgico, incluindo a lista das OPME utilizadas.
Quando necessário, também deve justificar o uso de material excedente ou incompatível com o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (Sigtap).
A etiqueta de rastreabilidade das OPME utilizadas deve ser anexada a esse documento. Em situações de urgência, onde a continuidade do atendimento é crítica, OPME disponíveis em estoque podem ser utilizadas.
No entanto, é recomendável que a comunicação do uso desses materiais seja documentada imediatamente após o procedimento e anexada à documentação do paciente, juntamente com a nota de consumo e a descrição do ato cirúrgico.
A dispensação de OPME não relacionada ao ato cirúrgico deve ser registrada nos registros do setor e no prontuário do paciente. A dispensação de OPME não cirúrgica só é permitida quando destinada à reabilitação.
Tanto dispositivos pré-fabricados como personalizados devem ser validados pelo profissional prescritor e seu uso deve ser acompanhado, quando indicado, para garantir o retorno do material ao profissional assistente do serviço.
6.2 Comunicação de Uso
A documentação é essencial para garantir a transparência e rastreabilidade no processo de utilização de OPME.
O controle na utilização de OPME é de responsabilidade dos profissionais envolvidos no procedimento, que devem registrar todas as informações relevantes, como o nome do produto, fabricante, tamanho, quantidade e a descrição do implante, na descrição cirúrgica, no registro de consumo da sala e no prontuário do paciente.
O preenchimento do registro de consumo da sala cirúrgica, a fixação das etiquetas de rastreabilidade nos documentos e a devolução imediata das OPME não utilizadas ao almoxarifado central ou satélite são de responsabilidade do profissional responsável ou de um membro da equipe designado para essa finalidade.
No caso de OPME com embalagem violada, contaminada ou danificada que não foram utilizadas no procedimento, o profissional de saúde responsável deve justificar a situação por meio de um termo circunstanciado que explique as razões da perda.
O custo deve ser registrado no registro de consumo da sala cirúrgica e não vinculado ao prontuário do paciente. OPME com embalagem violada, contaminada ou danificada e seu respectivo documento de justificativa devem ser tratadas de acordo com a legislação vigente, podendo ser processadas para uso em saúde ou descartadas.
No caso de incompatibilidade entre a utilização de OPME e o procedimento, ou quando a quantidade utilizada for superior ao previsto na tabela de referência, o profissional de saúde responsável deve preencher uma justificativa para o uso de materiais excedentes ou incompatíveis, se essa prática for adotada pela instituição de saúde.
O registro de consumo da sala cirúrgica, descrição cirúrgica, Danfe ou Nota Fiscal, laudo complementar de materiais especiais e justificativa de uso, se aplicável, devem ser enviados ao setor de faturamento da instituição de saúde para o faturamento adequado das OPME.
Qualquer material ou instrumental consignado e não utilizado deve ser verificado antes da devolução ao fornecedor.
6.3 Controle da OPME
Controle da OPME Cirúrgica:
- Quando o procedimento exige um exame de imagem para controle, o resultado deve ser anexado ao prontuário do paciente para comprovar o uso da OPME no ato cirúrgico.
- Nos casos em que não é possível realizar exames de imagem para comprovar o uso do implante, o cirurgião deve detalhar na descrição cirúrgica as OPME utilizadas.
- Após a alta do paciente, o setor responsável pelo faturamento deve lançar e conferir a AIH, comparando as informações da descrição cirúrgica e do registro de consumo da sala cirúrgica com as OPME utilizadas no procedimento e anexar uma cópia da nota fiscal ao prontuário do paciente.
Controle da OPME Não Cirúrgica:
- O controle das OPME não cirúrgicas está diretamente relacionado ao desempenho e segurança do dispositivo pelo paciente. Para evitar que o paciente abandone o produto ou surjam complicações, é recomendado que o indivíduo seja acompanhado em uma instituição de saúde com uma equipe de reabilitação.
- Na dispensação, a assinatura do usuário ou responsável deve ser coletada em um documento específico que comprove a entrega, com detalhes sobre os cuidados e responsabilidades envolvidas na utilização da OPME. Esse documento deve ser anexado ao prontuário do paciente.
6.4 Rastreabilidade
Rastreabilidade da OPME:
- As informações de rastreabilidade devem estar disponíveis no prontuário do paciente, incluindo etiquetas e registros realizados pela equipe técnica.
- Para garantir a rastreabilidade das OPME, uma etiqueta do produto deve ser anexada aos seguintes documentos: documento fornecido ao paciente, prontuário do paciente e nota fiscal ou Danfe de faturamento financeiro.
- A equipe técnica envolvida no procedimento é responsável por fixar as etiquetas de rastreabilidade no registro de consumo da sala cirúrgica ou no prontuário do paciente.
- As informações que devem constar na etiqueta de rastreabilidade do produto implantado incluem nome ou modelo comercial, identificação do fabricante ou importador, código do produto ou componente do sistema, número de lote e número de registro na Anvisa, de acordo com a RDC n° 14 da Anvisa, de 5 de abril de 2011.
- Para garantir a segurança na confecção e dispensação de OPME não cirúrgica, o produto deve conter a identificação do paciente, incluindo nome, número do prontuário, ordem de serviço ou documento similar e outras informações necessárias, como data de nascimento e nome da mãe, em todas as etapas do processo, incluindo moldes e dispositivos em produção ou acabados.
O cumprimento dessas boas práticas de rastreabilidade ANVISA é essencial para garantir a qualidade, segurança e transparência no uso de Órteses, Próteses e Materiais Especiais na área da saúde, contribuindo para a proteção do paciente e o sucesso dos procedimentos médicos.
Possíveis mudanças na regulamentação da Anvisa relacionadas à rastreabilidade
A Anvisa tem expressado preocupação em relação à aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.846, que prevê a criação da bula digital de medicamentos e revoga a implementação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM).
A Lei 11.903/2009 estabeleceu o SNCM com o propósito de monitorar os medicamentos em todas as etapas da cadeia produtiva, desde a fabricação até o consumo pela população. No entanto, essa legislação, que representou 13 anos de esforços da Anvisa, enfrenta desafios com a aprovação do referido projeto de lei.
O SNCM tem como um de seus objetivos principais combater a comercialização ilegal de medicamentos falsificados ou de qualidade inferior.
Segundo a OCDE, o comércio internacional de medicamentos falsificados movimenta anualmente 4,4 bilhões de euros, sem contar o volume produzido e consumido internamente em cada país.
Ademais, a OMS estima que entre 72 mil e 169 mil crianças morrem anualmente de pneumonia devido ao uso de antibióticos falsificados.
Nesse contexto, a Diretiva de Medicamentos Falsificados (Falsified Medicines Directive – FMD) introduziu medidas harmonizadas na União Europeia para combater as falsificações de medicamentos e garantir a segurança dos medicamentos, com rigoroso controle da cadeia de distribuição.
O sistema de rastreabilidade, portanto, desempenha um papel crucial ao:
- Combater medicamentos falsificados;
- Combater o roubo de cargas;
- Recolher lotes com desvio de qualidade;
- Melhorar as ações de farmacovigilância;
- Reduzir os riscos de desabastecimento de medicamentos;
- Adotar medidas relacionadas à segurança dos pacientes.
A implementação do SNCM representa uma estratégia fundamental para diminuir riscos para os pacientes, bem como para reduzir perdas econômicas e socioeconômicas para a população, ao combater o mercado ilegal de medicamentos.
Nesse contexto, a Anvisa considera que o PL aprovado dificultará os controles que favorecem a segurança dos pacientes.
As alterações propostas pelo PL resultarão na inviabilização dos recursos públicos já investidos pelo governo federal na implementação do sistema. Até o momento, mais de R$ 4,9 milhões foram investidos na Carta Acordo entre a Anvisa e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Além disso, um contrato foi firmado entre a Anvisa e a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), para contratação de serviços especializados de tecnologia da informação, envolvendo o desenvolvimento, disponibilização e sustentação do sistema, com um valor total de R$ 47.871.936,40.
Segundo a Anvisa, as mudanças propostas pelo PL terão as seguintes consequências:
- Risco para a saúde pública, ao impossibilitar o controle das unidades de medicamentos e a garantia da integridade da cadeia de abastecimento;
- Desalinhamento do modelo de rastreabilidade brasileiro com aquele adotado nas principais agências internacionais, que utilizam o modelo de controle de produtos serializados;
- Desperdício de recursos públicos já investidos no desenvolvimento do SNCM;
- Prejuízo para as empresas que já serializaram seus produtos e desenvolveram sistemas de informação para atender às normas vigentes.
A rastreabilidade é uma obrigatoriedade para diversos produtos, incluindo eletrônicos, utensílios de cozinha, brinquedos e vacinas bovinas. Portanto, não há justificativa para que importadores e fabricantes de medicamentos negligenciem a rastreabilidade de produtos destinados a salvar vidas.
Sobre o SNCM, a Anvisa tem como missão promover a proteção da saúde da população por meio do controle sanitário da produção e comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária. A rastreabilidade realizada pelo SNCM visa proporcionar mais segurança aos pacientes e profissionais em relação aos medicamentos utilizados.
As tecnologias de rastreabilidade oferecem a possibilidade técnica de rastrear medicamentos ao longo da cadeia de suprimentos, desde a fabricação até o ponto de dispensação.
Isso fortalece o monitoramento quase em tempo real da integridade de uma carga de medicamento, contribuindo para garantir a integridade e melhorar a eficiência do fornecimento de medicamentos.
Sem a adoção do SNCM, a supervisão eficaz da cadeia de abastecimento fica enfraquecida, aumentando o risco da entrada de medicamentos de qualidade inferior ou falsificados no mercado, o que pode resultar em ineficiências, rupturas de estoque ou disponibilização de produtos vencidos.
Portanto, é fundamental abordar essas vulnerabilidades e fortalecer a integridade e a eficiência da cadeia de suprimentos, com a segurança do paciente em primeiro lugar.
A Anvisa planeja rediscutir o tema e demonstrar aos Poderes Executivo e Legislativo os impactos negativos decorrentes da aprovação do PL 3.846/2021, que revoga dispositivos da Lei 11.903/2009 e a competência da Agência para implantar e coordenar o Sistema Nacional de Controle de Medicamentos.
Conclusão
Em resumo, a rastreabilidade ANVISA desempenha um papel fundamental na garantia da qualidade e segurança dos produtos médicos na área da saúde. É essencial para prevenir fraudes, falsificações, e garantir a integridade da cadeia de abastecimento.
Como fabricantes e profissionais da saúde, aderir às normas de rastreabilidade da ANVISA é mais do que uma obrigação, é um compromisso com a saúde pública e a segurança dos pacientes.
A recente aprovação do Projeto de Lei 3.846, que revoga partes da Lei 11.903/2009 e o SNCM, é motivo de preocupação para a Anvisa.
As mudanças propostas podem comprometer o controle rigoroso e eficaz que a rastreabilidade oferece, colocando em risco a saúde pública, desalinhando o Brasil com padrões internacionais e resultando em desperdício de recursos públicos.
Para obter informações detalhadas sobre as normas de rastreabilidade da ANVISA e entender como elas afetam o setor da saúde, convidamos você a conferir nosso Guia completo sobre RDC: conheça as principais normas da Anvisa.
Ficar atualizado e aderir às boas práticas de rastreabilidade é essencial para o sucesso dos procedimentos médicos e a proteção dos pacientes. Juntos, podemos garantir a qualidade e segurança dos produtos médicos na área da saúde.